domingo, 9 de abril de 2023

Páscoa: elevemo-nos acima dos laços materiais

O simbolismo da Páscoa como libertação das limitações materiais.

Uma reflexão sobre o relato bíblico, da Crucificação de Jesus até a Páscoa (Ressurreição, Ascensão), como uma alegoria da nossa própria história pessoal, da "morte" da crença em sermos o nosso eu humano, material, até, finalmente, a "ressurreição", ou a nossa conscientização de que Cristo vive em nós e é nosso verdadeiro Eu.

 

“ (…) Ele [Jesus] realmente tinha tudo: Ele tinha Deus, o Pai em seu íntimo, e porque ele tinha Deus, ele podia partilhar infinitamente com todos que tivessem necessidade, fosse água ou vinho, pão ou carne, ou, no último desjejum, peixe. Não fazia diferença o que fosse, ele o tinha para partilhar, embora ele sempre nos lembrasse de que, de si mesmo, ele nada podia fazer: ‘Se dou testemunho de mim mesmo, o meu testemunho não é verdadeiro.’ (João 5:31) … ‘Por que me chamas bom? (…)’ (Mateus 19:17).

Aí nós vemos o princípio da Sexta-feira Santa, o princípio da crucificação do senso pessoal, a crucificação da crença de que nós, de nós mesmos, temos qualidades de bem ou quantidades de bem. Mas, com essa crucificação, vem a ressurreição, na conscientização de que ‘Eu não sou nada, mas eu posso dar-vos tudo.’ Por quê? Porque ‘… o Pai, que está em mim, é quem faz as obras.’ (João 14:10).

Em vez de pensarmos na Sexta-feira Santa como mais um dia santo a ser celebrado, o que deveríamos compreender é que eis um dia para contemplação de mais um princípio espiritual da vida: o princípio da auto-abnegação, no qual, quando tivermos descoberto o vazio do nosso eu humano, então é revelada a plenitude, imortalidade e eternidade do nosso ser, porque eu e o Pai somos um, e tudo que o Pai possui é meu.

Em decorrência disso, temos a Ressurreição, quando, após havermos morrido para o senso pessoal, e tendo sepultado aquele falso senso do eu, nosso verdadeiro Eu ergue-se, deixa a sepultura do pequeno eu e caminha livre sobre a terra: livre e infinito, imortal e eterno, pleno de Divino estado de ser. Essa é a nossa Páscoa, nosso dia de ascensão, e nós nos damos conta de que em nossa autorrenúncia, e em nossa humildade, nós saímos de uma sepultura. Nós caminhamos agora sobre a terra, não cheios de pertences pessoais ou virtudes pessoais, mas preenchidos com o Espírito Santo, o Espírito do Senhor Deus Todo-Poderoso que está sobre nós, e, então, estamos ordenados. Agora que o senso material se desvaneceu completamente, o nosso real ser pode vir à tona.

Paulo visualizou isso quando ele nos mostrou os dois corpos que possuímos, sendo cada um de nós um ser dual. Nascemos como homens terrestres, e assim permanecemos até a crucificação. Assim permanecemos enquanto estivermos ocupados em glorificar e desenvolver o pequeno eu. Mas, Paulo também nos fala do outro Eu que nós somos, aquele que tem o seu ser em Cristo, aquele homem espiritual ou Eu divino. Esse é o homem que somos quando podemos dizer, ‘Posso todas as coisas naquele que me fortalece [Cristo].’ (Filipenses 4:13). Estas são as palavras mágicas: ‘Eu posso fazer todas as coisas através de Cristo, através do Espírito de Deus em mim, através da presença do Pai dentro de mim.’

Tal pessoa não é mais um homem terrestre. Ele não é mais alguém que afirma ser sábio, santo ou espiritual. Não, esse homem foi propriamente crucificado, e agora nós nos deparamos com um homem que reconhece que, ‘Pela graça de Deus, eu consigo fazer todas as coisas – eu consigo fazer todas as coisas através de Cristo.’

Saulo de Tarso foi propriamente crucificado. Ele não apenas ficou cego na estrada para Damasco; ele ‘morreu’. E, daquela sepultura saiu Paulo, não mais Saulo de Tarso, mas Paulo: Paulo, um homem que tinha o seu ser em Cristo, e que agora vivia pela graça de Deus, um homem que viajou não somente através da Terra Santa, mas também em Roma e na Grécia, a qualquer região que ele pudesse, pela graça de Deus, um homem que fundou sete igrejas, e que percebeu que aquelas sete igrejas não poderiam dar apoio a ele ou ao seu trabalho missionário, mas, as igrejas, voltando-se para Paulo, notaram que ele poderia dar apoio a todas as sete igrejas.

Devido a que? Ele não possuía minas de ouro ou poços de petróleo, mas ele tinha a graça de Deus; ele tinha o seu ser em Cristo; ele sabia que ‘… e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim…’ (Gálatas 2:20). Portanto, ele podia ficar despreocupado e deixar que esse espírito de filiação divina fosse o seu pão, sua carne, seu vinho, sua água e sua ressurreição e vida eterna. Quando se dá a transição, daquele homem terrestre para aquele homem que tem o seu ser em Cristo, então nos encontramos prontos para a ascensão, a ascensão que é a elevação acima de todos os laços materiais. (…) ”


Por Joel S. Goldsmith (1892-1964). Tradução de excertos de “The contemplative life”, Julian Press Inc., Publishers, New York, 1963. Texto compartilhado apenas para leitura e estudo pessoal.



Ilustração disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/37/Brooklyn_Museum_-_The_Resurrection_%28La_R%C3%A9surrection%29_-_James_Tissot.jpg

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