“ Todas as coisas deste mundo são transitórias. Nada há que não se modifique. Uma das verdades que Sakyamuni [Sidharta Gautama, o Buddha ou Iluminado] descobriu é que, afinal, tudo neste mundo é transitório: aquele que nasce, morre; o que possuímos, um dia deixará de ser nosso; de eterno, nada existe. Como isso é desolador! Quando assim percebemos, surge em nós o sincero anseio de buscar o 'eterno', o 'imortal', o 'indestrutível'. As flores desabrocham e murcham; os frutos amadurecem e caem no chão. Das sementes nascem novas plantas e estas florescem... Nada é imutável, tudo se modifica. Sakyamuni chamou a esse fato de 'transitoriedade'. É da profunda vivência da transitoriedade das coisas que nasce a verdadeira religião.
A flor se abre e murcha; forma-se o fruto, que cai no chão; a semente germina, e essa nova planta cresce e dá flor. Tudo isto está em constante mutação, mostrando a sua 'transitoriedade'.
Existe então algo que seja imutável, inalterável, eterno? Existe, sim: o fato de que cada ser mantém dentro de si a sua 'forma original' inalterável. Por exemplo, as plantas da família das leguminosas darão sempre flores características das leguminosas. A flor fenomênica murcha, mas jamais desaparecem a 'sabedoria' e o 'protótipo' misteriosos que se mantêm em seu âmago, eternamente com aquela 'forma de flor' e que, a cada oportunidade adequada, dispõem as moléculas da matéria segundo essa 'forma de flor' interior. Eles são 'existência eterna'. A essa 'existência eterna' chamamos 'ideia' ou 'espírito'. Essa 'ideia' ou esse 'espírito' é existência eterna, indestrutível.
Com o homem também acontece o mesmo: visto sob o aspecto físico, não existe um ser humano que seja constante e imutável. As células que constituem o corpo humano estão sempre envelhecendo, sendo eliminadas e substituídas por células novas, elaboradas a partir dos nutrientes. Todos os dias, a pele das pontas dos dedos está se desgastando, mas debaixo dela forma-se nova pele na qual, além de tudo, aparecem impressões digitais rigorosamente iguais às da pele anterior. A pele em si é transitória, pois se desgasta constantemente, mas existe por trás dela o 'protótipo eterno', que está sempre trabalhando para dispor as moléculas da matéria em uma determinada forma. Por trás da forma visível aos olhos carnais existe o 'protótipo eterno e indestrutível'. E existe o 'protótipo eterno e indestrutível' não só das extremidades dos dedos, mas sim do ser humano todo.
O 'protótipo eterno e indestrutível' do ser humano todo, isto sim, é o 'homem verdadeiro', o 'homem-ideia', o 'homem-espírito'. O corpo carnal é uma espécie de sombra do homem. A sombra se modifica, mas a verdadeira forma é eterna e, por mais vezes que a sombra desapareça, ela consegue fazer surgir novamente a mesma figura. Esse homem-verdadeiro [ou homem-Jissô, sendo 'Jissô', ou 實相 , termo budista significando 'aspecto real'] é que é o 'eu' verdadeiro.
O nosso corpo carnal está em constante mutação. Por que, apesar disso, sentimos como se esse 'corpo carnal em mutação' fosse o 'eu eternamente imutável'? Isso é porque no âmago desse corpo carnal, no âmago da matéria, existe o 'eu verdadeiro', que é existência eterna. Se o homem fosse somente 'corpo carnal', ele deixaria de ser o mesmo 'eu' a cada vez que os os elementos constituintes do 'corpo carnal' se renovassem. Mas o homem é o 'espírito' que se encontra no âmago do 'corpo carnal', é o 'ser indestrutível eternamente imutável', e, justamente por isso, é possível a sua renovação e a sua restauração.
Ademais, não existe primeiro o corpo carnal para depois surgir o espírito do homem; o que existe desde o princípio é o espírito, o 'protótipo eterno', que rege o corpo carnal, mantendo-o sempre num determinado formato. Por isso, quando o espírito abandona o corpo carnal, este passa pelo processo de deterioração e decomposição como qualquer matéria, deixando assim de manter o formato determinado do 'homem'.
Como age o 'espírito' para dispor as moléculas ou células do corpo carnal em um determinado formato? A vibração do 'espírito' se transforma em 'pensamento', e os elementos materiais se dispõem de acordo com a forma delineada nesse 'pensamento', determinando assim a situação do corpo carnal. Assim, para o homem se tornar saudável, é necessário tornar saudável a sua 'ideia', ou seja, o seu 'pensamento'. Entretanto, a maioria dos doentes pensa somente na 'doença', e por isso os componentes do corpo carnal dessas pessoas se dispõem conforme essa 'ideia de doença'. Consequentemente, elas terão de continuar sofrendo com a doença.
E quanto à 'matéria' em si? Teria ela exatamente a forma que enxergamos? Não. Ninguém, até hoje, viu a 'matéria' propriamente dita. O 'átomo' é tão minúsculo que somente pode ser visto por um microscópio com capacidade de ampliação de cinco milhões de vezes. Além disso, esses átomos se encontram dispersos, mantendo entre si uma distância 1.500 vezes maior que o seu próprio diâmetro. Não há como enxergar corpos tão minúsculos, que isoladamente são invisíveis a olho nu, e que se encontram tão distantes um do outro. Por que, então, nós os vemos com uma determinada configuração? Na verdade, não estamos vendo a matéria propriamente dita, mas sim as 'ondas mentais' (uma determinada 'forma' concebida pela mente) que emanam do interior da nossa mente, estimuladas pelas ondas luminosas que provêm da matéria. Nós não vemos a matéria; apenas materializamos a 'forma concebida pela mente' e pensamos 'estar vendo a matéria'.
A matéria constitui-se, basicamente, da combinação de elétrons, portadores de carga negativa, com os prótons, portadores de carga positiva. Os elétrons seriam 'redemoinhos' do éter surgido no vácuo. Entretanto, a Teoria da Relatividade de Einstein, não considera a existência do éter, e os físicos consideram-no originariamente 'inexistente'. Portanto, admitir a existência da matéria propriamente dita é bem mais difícil do que admitir a existência da 'mente'. É óbvio que podemos reconhecer imparcialmente o fato de que, enquanto 'fenômeno', a matéria se apresenta tridimensionalmente, ou seja, com altura, largura e comprimento, sendo possível medir o seu tamanho. Mas, como a matéria que assim se apresenta tem como substrato o 'inexistente' chamado 'éter', o substrato da matéria não pode ser uma massa concreta chamada 'matéria'. Seria mais certo dizer-se que a matéria tem a 'mente' como substrato, e que sua forma é mantida pelo pensamento.
Ilustrando este raciocínio, se, por exemplo, perguntarmos se uma bomba ao explodir faz estrondo, a maioria das pessoas responderá que sim. Se perguntarmos, então, se faz estrondo mesmo que não haja ninguém ali, muitas pessoas ainda responderão que sim. Mas, se não houver no local a 'mente' que é dotada da capacidade de captar o 'som', não haverá 'som'. Pensa-se que o 'som' é a vibração do ar. Mas o 'som' não é a 'vibração do ar, em si': quando os nervos auditivos recebem o estímulo da vibração do ar, surge na 'mente' do ser vivo a sensação de 'som'. Na realidade, o 'som' está dentro da mente. Portanto, mesmo que ocorra a explosão de uma bomba, não haverá 'som' se nesse local houver apenas cadáveres, que são 'corpos destituídos de mente'.
O mesmo podemos dizer das 'cores'. Nós dizemos: 'Esta é a cor vermelha'. Mas a 'cor vermelha' não existe no mundo exterior, e sim dentro de nossa mente. Segundo os físicos, a 'cor vermelha' é uma vibração do éter da ordem de aproximadamente 0,0008 mm de comprimento de onda. Se a vibração do éter for aproximadamente de 0,00037 mm de comprimento de onda, teremos então a 'cor violeta'. O éter é incolor; portanto, qualquer que seja o comprimento de onda de suas ondas, ele continua sendo incolor – este raciocínio, qualquer pessoa pode entender. Ao receber os estímulos dessa incolor vibração do éter nos nervos óticos, o homem enxerga a 'cor vermelha', a 'cor violeta' etc., mas não é a cor do próprio éter o que ele está enxergando, e sim a 'cor' concebida dentro da 'mente' dele. Portanto, se a ideia de 'cor' que está na mente de uma pessoa não está bem desenvolvida, temos o assim chamado 'daltonismo'. Nesse caso, mesmo que a vibração do éter o comprimento de onda de 0,0008 mm, não existirá a 'cor vermelha' para ela.
Se, em última análise, nem a 'forma' da matéria, nem a 'cor', nem o 'som' que se originam dela, estão na matéria em si e sim na 'mente' que os apreende, seria de se esperar que, conforme a mente de cada um, a matéria se apresentasse ora de uma forma, ora de outra. Entretanto, mesmo que as 'mentes' que as veem sejam diversas, ela é percebida do mesmo modo, e a sua forma, determinada através de cálculos matemáticos, é igual para todos os homens. Por quê? Porque as 'mentes' de todas as pessoas não são existências isoladas umas das outras, e sim parte da 'mente total (Deus) que preenche o Universo, as quais, alojando-se nos indivíduos, constituem as respectivas 'mentes'. E, como a 'mente que preenche o Universo' é dotada de sabedoria matemática, os fenômenos materiais, que são sua expressão, manifestam-se com precisão matemática.
Sendo as 'mentes' de todas as pessoas parte da 'mente total', disso decorre que os outros estão dentro de mim, e eu estou dentro dos outros. Eu e os outros estamos interpenetrados. Isto é, a minha mente está dentro das mentes dos outros, e as mentes dos outros estão dentro da minha. Os seres humanos identificam-se uns com os outros; por isso, o que o outro enxerga 'vermelho' eu também enxergo 'vermelho'. Toda a humanidade constitui uma só Vida: a prosperidade do outro significa a minha prosperidade. Os homens não devem sentir inveja um do outro. Cada indivíduo de descobrir o gênio, não somente dentro de si próprio mas também dentro das demais pessoas, e exteriorizá-lo através da reverência. Devemos descobrir o grande gênio, mesmo no mais inábil dos homens. Devemos descobrir o santo, mesmo naquele que parece ser o pior dos criminosos.
Aquele que, mesmo diante das imperfeições fenomênicas, persiste em fitar com os olhos da mente a perfeição do Jissô ( 實相 ) ou aspecto real que está por trás da imperfeição das coisas fenomênicas, acabará conseguindo concretizar também no mundo fenomênico essa 'perfeição' que ele não se cansa de fitar. É preciso ver a saúde, mesmo quando está manifestada a doença; é preciso descobrir o amor, mesmo quando ele está oculto pelo ódio; é preciso encontrar a alegria mesmo quando parece haver apenas a tristeza. Já que Deus não criou o ódio, não existe ninguém que seja 'odioso' aos olhos de todas as pessoas. O ódio não é como as cores, as quais são captadas como 'vermelha', 'violeta' etc. por todos. A pessoa que você odeia pode ser uma pessoa muito querida por outras pessoas, porque o 'ódio' não é um elemento universal e absoluto. Aquilo que muda de aspecto conforme quem vê ou quem sente, não é um elemento universal e absoluto; é um aspecto relativo, visto de um determinado ângulo.
(...)
Deus, por ser a Grande Vida Universal, é onipresente: Ele está em toda parte do Universo e, ao mesmo tempo, está dentro de cada um de nós, na qualidade de 'Vida individual'. O ser humano, que abriga a 'Vida individual' dentro de si, está em contato com a Grande Vida Universal através da intuição e recebe orientação dela para as ações diárias; está em contato com ele através do instinto, e, graças a isso, processam-se normalmente as suas funções fisiológicas. A fonte da força humana é a Grande Vida Universal. A essa Grande Vida Universal chamamos de 'Deus Interior e Transcendental' ou 'Deus Interior e Universal'. O 'universal' está presente no 'individual', e o 'individual' está dentro do 'universal'; por conseguinte, o 'Universo' é a 'Vida individual'.
A diferença entre o simples panteísmo e a visão de mundo da filosofia proposta pelo movimento Seicho-no-Ie está em que: 1) vemos Deus como o princípio, como um ser interior e transcendental, e ao mesmo tempo como um Deus personalizado; e 2) não vemos os fenômenos todos do mundo físico como manifestações diretas de Deus, e sim como 'projeções' do Deus interior e transcendental. Deus, que é a grandiosa fonte de luz, projeta um mundo repleto de luz, mas, os nossos pensamentos interferem sobre ele produzindo sombras opacas, surgem as trevas no mundo de luz.
Não projete sombras na sua mente, com pensamentos tenebrosos. Harmonize-se com a luz que Deus projeta, mantendo pensamentos radiosos. Assim, a luz de Deus se revelará e concretizará o Paraíso. À medida que os pensamentos tenebrosos vão desaparecendo da sua mente, a luz do Paraíso que despontará ao seu redor vai se tornando cada vez mais radiosa. (...) ”
Por Masaharu Taniguchi (1893-1985). In: Shinri, volume 2.

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