domingo, 20 de agosto de 2023

A estética da natureza e a da vida humana

Sobre as imperfeições do belo natural e as curvas do caminho da vida humana.
Alguns pensamentos: analogia entre a estética das coisas naturais e a jornada da vida humana. Também disponível em Pensamento Novo - Brasil.


“ O BELO NATURAL

É preciso saber reconhecer a beleza natural. Um ikebana* que destruiu a beleza natural parece belo, mas falta-lhe a verdadeira beleza. Num ramo encurvado há muita beleza, porque está assim naturalmente. Um pintor sabe muito bem disso. O rosto das pessoas, seja como for, possui beleza harmonizada com o todo. Se o nariz é pequeno, está em harmonia com o restante do rosto. Se se realizar uma cirurgia plástica e se aumentar artificialmente o tamanho do nariz, a harmonia como todo desse rosto se perderá.

Os olhos direito e esquerdo de todas as pessoas não são exatamente iguais. O tamanho de um olho é diferente do do outro. Nisso se encontra a beleza, o movimento da vida. Entre coisas exatamente iguais, não se vê movimento. O movimento surge da diferença de forças entre duas coisas. Na arte de ikebana* também se manifesta o movimento da vida ao criar as posições céu e terra. O céu está no alto e a terra está embaixo, formando assim o belo. Se alguém dispuser as flores colocando o céu e a terra na mesma altura, não haverá beleza. O belo existe onde há desigualdade.

A beleza da tigela usada na cerimônia do chá encontra-se nas distorções naturais surgidas sem a interferência do homem. Se aquelas linhas curvas fossem criadas artificialmente, usando uma máquina, certamente não teriam beleza. O homem deseja comumente criar linhas retas, artificial e mecanicamente. Mas, comparando-se uma linha reta artificial e mecânica com uma linha traçada naturalmente, sua beleza será bem inferior. Na Natureza não existem formas circulares como as traçadas com um compasso, nem linhas retas como as traçadas com uma régua. Contudo, é belo o galho retorcido de uma árvore, como também é bela a desigualdade entre os olhos de uma pessoa.

O caminho da vida também é sinuoso como os galhos retorcidos. Ele é belo porque é sinuoso, e, seguindo-o naturalmente tal como ele é, teremos um resultado belo e rico. Não atingiremos um belo resultado e sofreremos, se não acompanharmos as sinuosidades, insistindo egoisticamente em traçar uma linha reta, ou em criar belas linhas modificando a linha original à força. Tudo se realiza de modo belo quando deixamos que haja o transcorrer natural, tal como nuvens que flutuam ou a água que corre.

Um rio que corre em linha reta tem pouca beleza, mas uma corrente de água de um rio que serpenteia entre os vales possui muita beleza. Quando nos esvaziamos, a Natureza se manifesta. Originalmente não existem ondas invertidas, mas se formos contra a maré, as ondas normais se transformam em ondas invertidas. Se nadarmos a favor das ondas, conseguiremos chegar ao destino sem ficarmos cansados. Mas, se nadarmos contra as ondas, logo ficaremos cansados, perderemos as forças e nos afogaremos. O caminho da vida também é assim. ”


Excertos de Komyō Hōgo (Michi no Maki), de Masaharu Taniguchi, Nippon Kyobun Sha Co. Ltd., Tóquio (1949, 1984), a partir da tradução em português da Seicho-no-Ie do Brasil, 2007. Texto somente para estudo e uso pessoal.


* Ikebana: arte japonesa de arranjos florais (nota do compilador).

Nenhum comentário:

Postar um comentário