terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

A armadilha do mundo físico

 

Os nossos cinco sentidos não servem para nos mostrar a Realidade absoluta do Universo.

Um texto sobre a impossibilidade completa de apreendermos a Realidade absoluta ou Verdade fundamental, valendo-nos somente dos cinco sentidos e sua percepção do mundo físico. Também disponível em Pensamento Novo - Brasil.



“ NÃO SE PODE CONFIAR NOS OLHOS CARNAIS DO HOMEM

Talvez haja quem diga que acha impossível deixar de ver a parte má das pessoas quando ela está evidente, mas essa impressão constitui uma armadilha da vida. Você deve rejeitar o pensamento que considera real aquilo que vemos através dos olhos carnais. Por exemplo, aos nossos olhos a Terra parece plana, mas na realidade é redonda. O Sol nos parece que nasce a leste e se põe a oeste, mas a realidade é que a Terra é que se move de oeste para leste. A estatura de uma pessoa, vista de longe, parece pequena, apesar de não o ser. Quando o trem começa a se mover, parece-nos que é a estação que está se movendo; e a paisagem que vemos pela janela do trem parece estar em movimento. Dessa forma, enxergamos o outro em movimento porque nós estamos nos movendo.

Certo monge budista perguntou ao seu mestre: ‘Aquela bandeira parece tremular, mas é a bandeira que se movimenta ou é o vento?’ E ele obteve a seguinte resposta: ‘Nem a bandeira nem o vento se movimentam, mas sim a mente da pessoa.’ Essa é uma referência ao profundo despertar espiritual de um monge do budismo Zen, sendo muito difícil atingir-se esse nível. O importante, porém, é não vermos os males. Mesmo que estejam manifestados os piores males, podemos considerá-los inexistentes, pois tudo que vemos é reflexo da nossa mente.

Se olharmos uma paisagem através de um vidro disforme, ela nos parecerá deformada. Um rosto refletido num espelho defeituoso parece deformado, apesar de o rosto verdadeiro não apresentar aquela deformação. Se nos olharmos ao espelho com expressão irada, aparecerá no espelho um rosto irado. A imagem que o outro nos apresenta é o reflexo de nossa mente. Não devemos culpar o outro sem antes fazermos uma autorreflexão. A imagem que se reflete no espelho é a nossa própria imagem. Se, diante de um espelho, levantarmos a mão como que para bater em alguém, a imagem refletida no espelho também fará o mesmo. Se adotarmos uma atitude carinhosa, a imagem refletida no espelho, de novo, também fará o mesmo. Nossa mente é como um espelho: se ele estiver defeituoso, tudo que virmos refletido nele aparecerá defeituoso. Portanto, a imagem que enxergamos através dos nossos olhos carnais jamais retrata a realidade. Vemos refletida no outro a nossa imagem mental, por isso, devemos antes de tudo desenhar boas imagens em nossa mente. Com certeza, manifestar-se-ão boas aparências.

Pode ser que alguém diga que não consegue desenhar uma ‘boa imagem’ de uma pessoa má. Esse alguém, deve, nesse caso, por pior que seja o aspecto agora visível, pensar que ele é uma projeção da sua mente e, sem dar atenção à parte má, procurar pensar somente no bem. Mas, será que existe o bem nesse mundo? Sim, existe, mesmo que não o estejamos enxergando através dos nossos olhos carnais. O Sol parece alvorecer a leste, mas na realidade é a Terra que está girando de oeste para leste. De modo análogo, aquilo que enxergamos com os olhos carnais não existe, na realidade. Não enxergamos o que existe de fato. Portanto, devemos acreditar que as coisas boas existem, mesmo que não as enxerguemos com os olhos carnais.

Então, onde se encontram essas coisas boas que não vemos? Um sábio do passado disse: ‘O único bem é Deus.’ Não podemos vê-lo, mas Deus existe. Não vemos Deus porque Sua imagem está oculta. Ele é um ‘corpo oculto’, que, no idioma japonês diz-se Kakurimi, cujas primeira e última sílabas formaram a palavra Kami [神], ou seja, Deus, em japonês.

Talvez você pergunte: ‘Como é que se sabe que Deus existe, se Ele é invisível?’ Mas você está vivo e sabe disso. Você está vivo porque existe vida. Você sabe que a vida existe, mas você pode vê-la? Não, porém você sabe que ela existe. Mesmo enquanto você dorme, essa Vida faz com que seus pulmões processem a respiração, seu coração pulse, seu estômago faça a digestão dos alimentos, assim vivificando o seu corpo. O seu corpo físico conserva a sua forma porque a Vida o sustenta. É a força da Vida que conserva a forma do seu corpo. No âmago da Vida existe um ‘modelo mental’, e ela conserva a forma do corpo carnal segundo esse modelo. Podemos afirmar, portanto, que a forma do corpo é projeção da ‘forma mental’ existente na Vida. Com referência a esse fato, no Movimento Seicho-no-Ie [movimento espiritual fundado no Japão em 1930, por Masaharu Taniguchi, https://en.wikipedia.org/wiki/Seicho-no-Ie] diz-se, simplesmente: ‘O corpo carnal é projeção da mente.’ Por isso, quando a Vida deixa o corpo carnal, este não consegue mais conservar a sua forma, e acaba se deteriorando e decompondo. A Vida origina o corpo carnal, e este toma exatamente a forma do ‘modelo mental’ (ideia) que está no interior da Vida.

A Vida é que é Deus. Ele não é o talismã, o amuleto, a estátua de bronze, ou o templo. Deus é a sabedoria misteriosa, invisível aos olhos, que em toda parte vivifica os seres e que cria o homem. Portanto, Deus se aloja em todos os seres viventes. (…) ”


Excertos de Shinri, volume 3, de Masaharu Taniguchi, Nippon Kyobun Sha Co. Ltd., Tóquio (1955), a partir da tradução em português da Seicho-no-Ie do Brasil, 2a ed., 2005. Texto somente para estudo e uso pessoal.


Ilustração disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/df/Flammarion_Woodcut_1888_Color_2.jpg

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